Eu queria estar tomando banho e seguindo o dia normalmente. Mas
não me importa estar atrasada para o trabalho, já não consegui dormir essa
noite e escrever pelo menos me alivia a mente.
Eu tive insônia a noite toda, mas não foi por causa de um
pesadelo, melhor seria. É a realidade cruel demais que supera qualquer
profundeza do inconsciente dessa vida.
Eu queria dizer que as notícias são sensacionalistas, que é
um exagero midiatíco muito intenso. Mas nem a catarse mais imensa consegue se aproximar de tamanho sofrimento.
(E catarse passa, alivia. Hoje o que a alma sente é uma dor
que não se mede, não se descreve, não se imagina.)
Eu queria que sua dor também fosse apenas na alma, como a
minha. Mas não, suas marcas são físicas, seu corpo está desfigurado, sua face desconstruída.
Eu queria estar ao seu lado, te abraçando, dizendo tudo vai
passar. Mas não vai, nunca passa, e os gritos de tantas mulheres desesperadas
ainda são chacotas para esse mundo ao contrário.
Eu queria ser sua vizinha e ter escutado o primeiro grito de
socorro para arrombar aquela porta em prontidão. Mas outras Elaines gritam,
gritaram e gritarão, e ninguém as
escutarão.
Eu queria ter atropelado aquele rapaz quando ele estava a caminho da sua casa. Eu ia
sentir culpa, eu nunca saberia o que eu teria evitado. Mas eu nem mais dirijo
nesses dias amargos.
Eu queria poder limpar a sua casa, tirar todas aquelas manchas
horrorosas na parede registradas. Mas não haverá sabão, tinta ou qualquer
produto capaz de amenizá-las.
Eu queria parar de falar de mim, falar de ti, falar de nós.
Mas temos que ser nós, pois a sororidade ainda é a nossa única arma, nossa única voz.
Eu queria tanta coisa para minha vida, para minha sina, meu
trabalho, meu filho, meu mundo, meu ser. Mas ainda vejo que a mulher tem que
lutar é apenas para sobreviver.
Eu queria somente fazer doce e agradável poesia. Mas cada
palavra tem o pesar de tantas feridas...